sábado, 17 de setembro de 2011

EU ERA O TRAUMA

De Arthur Ferreira Jr.'.
Dedicado ao Caian Nevoeiro de 2025
Agradecimentos Especiais a Robert W. Chambers, Ambrose Bierce, August Derleth e H. P. Lovecraft 


QUANDO EU TINHA 7 ANOS, me disseram que criança é mais vulnerável a traumas.

Eu nunca tinha ouvido falar de trauma de infância.  Na verdade, eu nem sabia o que era infância direito; a palavra "infância", porque sentir a infância, eram outros quinhentos.  Imagina, então, trauma.  O que era trauma?

Marina tinha 13 anos e sabia o que era trauma; ela me explicou.
Fazendo isso ela deu vida àquela criatura chamada trauma: era pior que bicho-papão, e eu e todas as crianças éramos presas fáceis desse monstro.

O trauma começou a aparecer não só debaixo da cama, como nas esquinas das ruas, nos rostos dos estranhos, dos desconhecidos que minha mãe dizia que eu não devia responder.

O trauma tinha milhares de rostos.  Usava milhões de máscaras diferentes: a moça drogada que sentava no meio-fio; o mendigo que parecia ter mais de dois olhos quando eu olhava para ele de lado; aquele senhor com cara de empresário, que tinha uma mancha avermelhada esquisita na manga do paletó; a camelô que sorria sozinha enquanto guardava as mercadorias; o síndico do prédio que pedia para conversar com meu pai, a sós; a babá de meu irmão mais novo; o padre.

O cachorro do vizinho tinha cheiro de carniça.  O gato que tomava sol na frente da casa passou a se empoleirar no muro, cheio de cacos de vidro, e dali de cima me fitava, sem piscar.  O matinho detrás de casa passou a ser frequentado por todo tipo de inseto e cobra.  Aquele atalho para a escola já não era mais seguro, porque tinha uma cabeça espetada numa espécie de poste pontiagudo, no meio de uma encruzilhada sombria.  As névoas vinham e voltavam nos limites da cidade.

Um menino desconhecido um dia ficou parado na frente do meu colégio, quando todo mundo já tinha ido embora e meus pais estavam atrasados.  Ele usava uma máscara amarelada.  Não era Dia das Bruxas, nem estava perto.  Ele não quis as guloseimas que eu ofereci, nem respondeu quando eu perguntei que travessura ele estava aprontando com aquela máscara.

Na verdade, ele respondeu.  Ele só demorou uns cinco minutos pra isso.

Eu já tinha esquecido da pergunta, quando ele disse:

"Não é uma máscara."




Foi então que eu soube.  Ele estava ali.  Era o Trauma.  Não me lembro do que aconteceu depois.  Acho que acordei no dia seguinte, na minha cama.  Ou foi de madrugada, na cama de meus pais, tremendo de medo?

Eu não sei onde ele se esconde.  Depois daquele dia eu não enxerguei mais as coisas que rastejavam e espreitavam e rondavam e empurravam meus pensamentos e minha coragem para debaixo de um tapete invisível.  Eu estava curado.  O menino da máscara me curou.

Mas ... espere.  Como só pude me lembrar disso agora?


Não era uma máscara.


Não.










Originalmente publicado AQUI em novembro de 2010





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