terça-feira, 20 de setembro de 2011

O PRINCÍPIO LICANTRÓPICO

escrito por ARTHUR FERREIRA JR.'.



They'll laugh as they watch us fall
The lucky don't care at all
No chance for fate
It's unnatural selection
I want the truth!

Muse, Unnatural Selection


UMA CELA CHEIA DE MULHERES e Aline continuava não se sentindo bem. Acontecera alguma coisa de madrugada, e ela não sabia muito bem porque fui presa, mas suas roupas estavam rasgadas, sujas de sangue e lhe parecia que quase tivera uma overdose de GARRA, ontem.

Começou a choramingar, "ai, mãe, se eu sair daqui, por favor me leva pra rehab, pelamordedeus ... prometo nunca mais ..." só para ter o desespero interrompido por um chute na boca.


Chute de uma das companheiras de cela, uma loira de calça jeans rasgadas e top laranja, ria descaradamente e batia meio nervosa os pés dentro das enormes botas negras, gritando, "Ahh, calaboca, calaboca, sua filhadaputa patricinha!!! Mas que merda, não se tem nem sossego dentro da cadeia?!?" As outras, mais no fundo da cela, riam junto.


Uma mulata de dreadlocks se agachou perto de Aline, "Tá mal, hein, filha. Que foi que cê aprontou, hein? Tá com o quê subindo na cabeça? É a Belknap-14?" Aquele jeito, mistura de carinho e sarcasmo, irritou Aline ainda mais profundamente que o chute da loira biscate. Não era mais efeito da droga, era uma raiva, uma fúria que consome. Aline olhou, com olhos vermelhos e injetados, direto na alma da presidiária, que se assustou com aquilo, e não teve tempo de reagir quando levou um murro fortissimo, que a empurrou direto pro fundo da cela, em cima das outras presas, alavancando o corpo de Aline para cima e deixando-a em pé, disposta a aguentar qualquer briga.

"Porra é essa, sua biscate!" gritou a loira nervosa, "Só quem bate aqui sou eu!" E partiu pra cima da novata com uma navalha que guardava escondida na bota.

O risco sangrento da navalha cortou o rosto de Aline, mas ela mal sentiu, tão furiosamente indignada se sentia. Revidou com outro murro muito forte, muito mais forte do que a forma física diminuta da garota podia supor. As mulheres do fundo da cela podiam jurar que os músculos da novata começavam a aumentar, seus braços mais definidos e era como se um cheiro de bicho houvesse invadido a carceragem.

A navalha da loira caiu, tinindo, no chão fora da cela, e Aline aproveitou a surpresa para agarrar a cabeça da loira com as duas mãos. Duas unhas afiadas, praticamente garras, de seus polegares, feriam o rosto da loira, já arrebentado pelo murro, um hematoma que quase a deformava. Aline segurou firme e bateu uma, duas, três vezes, a cabeça da loira nas grades, até ouvir um barulho de algo se quebrando.


A novata soltou a rival, o corpo da loira escorregou pelo chão deixando o sangue marcando o metal das grades, se não estivesse morta, estava quase. Aline virou-se para as outras e berrou, mal se controlando: "Se alguém tentar uma gracinha, vai ter o mesmo fim dela! O mesmo!" Aline sentia um instinto irracional também berrando dentro dela, algo que a impelia a avançar para cima das mulheres apavoradas ... e morder uma ou duas delas nessa manobra.

Meio preocupante, mas Aline não tinha tempo de pensar nisso. Só o agora importava.

As companheiras de cela haviam sido domadas, mas logo os guardas viriam checar o que era aquela algazarra, e talvez houvesse um cadáver ali para ser encontrado ... O mundo girava ao redor de Aline e tudo parecia devagar ... e ela sabia que devia reagir, devia esconder o cadáver, não, devia DESFAZER o cadáver, sentia a vida ao redor de si, nas companheiras acuadas no fundo da cela, nos insetos rastejando nas paredes, nos pássaros voando fora da cadeia, em si mesmo essa vida pulsava muito com muito mais força, e sentia a vida se esvaindo da loira ferida, jogada no chão.

Aline sabia que dava para ... ajeitar as coisas ... não por piedade, mas por sobrevivência própria. Se a fuga desse errado, não haveria uma acusação de assassinato ... os instintos irracionais se amoldavam em sua mente consciente e às suas prioridades e planejamentos humanos. Sim, ajeitar as coisas.

A garota se abaixou e seus cachos caíram sobre o rosto da loira. Aline enfiou as garras ainda sujas de sangue nos ombros da moribunda, e as companheira de cela não ousavam se aproximar, impressionadas com a linguagem corporal da agressora. "Vamos, sua puta," sussurrou, quase grunhindo, perto da boca da loira, "acorde pra dizer que só levou uma surra, vamos ..."

A cela se encheu de um cheiro de suor. Uma força atroz e irresistível começou a fluir de Aline, e ela não sabia bem o que estava fazendo, mas sabia que tinha de fazer. A força da vida fluía dela para a loira, que abriu os olhos assustada, acordada de uma inconsciência próxima da morte. O que enxergou foi pouco melhor que a morte: os cachos da novata sobre ela, emoldurando um rosto selvagem, de olhos amarelados, as maçãs do rosto cobertas de pelos castanhos, fundindo-se com as costeletas de Aline, tudo isso realçando de modo terrível e ao mesmo tempo sedutor uma boca carnuda, pingando saliva, e cheia de dentes afiados, liberando um hálito forte, salgado, primal, que a loira sentia entrar dentro de si e curar-lhe as feridas na cabeça.

Não muito bem, é claro. Era um traumatismo craniano e a própria força da vida se impunha para curá-lo, mas sem nenhum refinamento. Aline soltou a loira, que ficou balbuciando encostada nas grades sujas de sangue, e levantou-se com firmeza. Quando se virou para as presas, seu cabelo cacheado rodopiando no ar, as feições bestiais já haviam suavizado e mais uma vez parecia apenas uma garota de dezoito anos, presa por ter feito alguma bobagem na noite.

Os guardas vinham vindo, dava para ouvir os passos no corredor, e Aline conseguiu ainda pensar numa aula de filosofia que teve o ano passado. É incrível como lembranças são irracionais, chegam na hora que querem. Aline se lembrou do Princípio Antrópico; que dizia que o universo havia sido criado para o homem, porque, se as constantes da física mudassem um pouco que fossem, as moléculas orgânicas nunca poderiam ter se formado, e nenhuma humanidade existiria para observar o universo.

E agora, Aline sabia que não era só isso: tudo conspirava para que ela vivesse e se desse bem, observasse a aproveitasse o máximo possível do universo. Ela sentia a própria vida e sabia que a vida não se importava com esses humanos miseráveis, mas sim com ela ... e quem sabe com outros como o que ela havia se transformado pela primeira vez, naquela madrugada anterior. Não havia sido por acaso, a droga só a havia despertado, por dentro ela era forte, sempre soube. 


Era a superioridade dos mais fortes. A sobrevivência dos mais aptos.


O Princípio Licantrópico.






ATENÇÃO: este miniconto acontece logo após o conto Ela Só Queria Dançar.

4 comentários:

  1. PUBLICADO ORIGINALMENTE EM
    http://insanemission.blogspot.com/2011/02/o-principio-licantropico.html

    IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, AUTORES E FONTES

    1
    http://www.myspace.com/pureblood_hunter

    2
    Wolf Girl
    http://www.flickr.com/photos/25996897@N07/3265116164/

    3
    http://loveleish.blogspot.com/2009/03/constant-criticism.html

    4
    Paul Mundie, Howl of the Werewolf
    http://www.paulmudie.com/

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  2. Interessante estória. Ambiente interessante para o uso da licantropia. Jaulas (celas) detentas e uma fera com elas. Parece enredo de filme.

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  3. Vê que quando transferi o texto ficou o link no nome da Aline, lá em cima. Ela aparece em várias histórias, é a licantropo principal do meu cenário, junto com O Dragão.
    Eu só não postei o conto em que O Dragão aparece, ainda, porque aparece uma certa Vanessa que era personagem das histórias de vampiro, então cronologicamente ela está adiantada...
    A Aline Cortez aparece também nas histórias do universo da Crisálida, criada por Samuel, só que lá é um universo paralelo e ela não é exatamente a mesma pessoa. Mas acaba se viciando em Garra assim mesmo.

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  4. Quando quiser escrever alguma coisa em parceria, tou com vontade!

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